O acidente ferroviário na Ponte São João da Serra do Mar no Paraná.

Um grave acidente envolvendo um trem da América Latina Logística (ALL) na madrugada do dia 19 de Julho de 2004, na ponte do Rio São João, na Serra do Mar, interditou o tráfego no trecho entre Curitiba e Paranaguá. Da composição formada por 45 vagões e 3 locomotivas, 35 vagões descarrilaram e despencaram da ponte, que teve sua estrutura danificada com o impacto. O trem estava carregado com milho, açúcar e farelo.
A empresa informou, através de nota oficial, que não houve vítimas, e o trecho deveria ficar interditado por até dez dias. A ferrovia que corta a Serra do Mar é a única alternativa de transporte ferroviário até o Porto de Paranaguá. E por isso a empresa estava negociando com seus clientes a possibilidade de transferência para outro porto ou mesmo o transporte por caminhão.
O acidente aconteceu por volta da 00:05, e a ALL havia aberto uma sindicância para apurar as causas. O laudo deveria sair em 30 dias. A ponte tem cerca de 50 metros de altura, e parte dos vagões despencou, atingindo o Rio São João, que desemboca no Rio Nhundiaquara. A ALL informou que 70 pessoas, entre engenheiros e técnicos de via, segurança e meio ambiente trabalhavam no local para garantir o atendimento ao acidente. Além disso, acionou uma empresa de engenharia especializada para promover os reparos.
Segundo informações da Defesa Civil, o órgão só foi avisado do acidente horas depois do ocorrido. Foi a própria Defesa Civil que informou o Instituto Ambiental do Paraná (IAP), que também enviou uma equipe para o local. Os ambientalistas que acompanham o caso estão preocupados com os impactos do acidente. Segundo eles, a preocupação é em relação ao farelo de soja, que em contato com a água, incha e entra em processo de putrefação. Além do mau cheiro, pode se tornar um material tóxico.
O presidente do IAP, Rasca Rodrigues, encaminhou à Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT), que fiscaliza e libera a concessão das ferrovias, um relatório com dados sobre os acidentes ocorridos nos últimos anos com a ALL. “A recorrência dos acidentes tem demonstrado que existe alguma falha na operação do sistema de transporte, e não podemos mais permitir que o meio ambiente do Paraná continue pagando a conta” disse.
Segundo ele, apesar de a carga do trem ser de material orgânico, o acidente é preocupante: “A fermentação desses grãos consome oxigênio da água do rio, diminuindo a quantidade para os peixes”, afirmou. Ele teme que, durante a tarefa de retirada dos vagões, o meio ambiente seja ainda mais agredido, em razão da altura do precipício. O local onde aconteceu o acidente é de domínio da Floresta Atlântica, dentro da Área Especial de Interesse Turístico do Marumbi.
Truculência
Seguranças da ALL tentaram impedir que os fotógrafos Gerson Klaina, de O Estado e Jonathan Campos, da Gazeta do Povo, tirassem fotos do acidente. Os representantes da empresa tentaram tomar as máquinas fotográficas e pegaram à força dois rolos de filme com fotos do descarrilamento, além de ameaçar os dois profissionais.
Segundo acidente ocorrido naquele ano
Este foi o segundo acidente envolvendo a ALL ocorrido na Serra do Mar, só naquele ano. Em 23 de setembro de 2000, um outro descarrilamento ocorreu no Km 5 da ferrovia que liga Curitiba a Paranaguá, provocando derramamento de óleo combustível e lubrificante no córrego Caninana.
Já em março de 2004, o IAP aplicou uma multa no valor de R$ 1,5 milhão à ALL, pelos danos ambientais no mesmo local do acidente ocorrido no ano de 2000. Após o descarrilamento de um vagão, 350 toneladas de soja, farelo de soja e milho a granel atingiram o Córrego Caninana, afluente do Rio Nhundiaquara, também na Serra do Mar. Os rios atingidos estão enquadrados nas classes Especial e Classe 1, ou seja, são considerados extremamente frágeis e destinados ao abastecimento público.
Os laudos do IAP indicaram impacto direto na qualidade das águas e fauna aquática, pela fermentação dos grãos e da espuma resultante deste processo. A fermentação dos farelos derramados ocasionou a mortandade de 430 kg de peixes.
Entidades se manifestam contra a ALL
O acidente com mais um trem da América Latina Logística (ALL), em Morretes, fez com que várias entidades da sociedade civil se reunissem para cobrar providências tanto da empresa, quanto da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).
Tal cobrança já vinha acontecendo de forma individual por parte dessas entidades, mas desde ontem, todos estão unidos para fazer com que a ALL trabalhe de maneira correta ou se afaste da concessão: “Vamos exigir da ANTT um relatório feito com qualificação técnica e, principalmente, o cumprimento do que ele apontar. Caso não seja cumprido, que imediatamente seja suspensa a concessão, até serem sanadas as irregularidades”, afirmou a assessora jurídica do Sindicato do Engenheiros do Paraná (Senge-PR), Giani Cristina Amorin.
Giani salientou que o prazo para que as irregularidades sejam resolvidas deve ser o mínimo. Caso contrário, essas entidades entrarão com ações contra a ALL na Justiça Federal: “Não só contra ALL, mas contra a ANTT também”, ressaltou.
O diretor do Senge-PR e ex-gerente da Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFSA), Paulo Sidney Ferraz, lembrou que um relatório da ANTT, datado de setembro de 2002, apontou várias áreas de perigo iminente na malha ferroviária administrada pela ALL. Entretanto, não citou o local do acidente. Para Ferraz, desde 1997, quando assumiu o controle da malha ferroviária na região Sul do País, a ALL deixou vários problemas: “Existe o passivo patrimonial das 190 estações e da deterioração da malha. Só em multas ambientais a empresa acumulou um montante de R$5,8 milhões. Também há o passivo judicial, com as demissões feitas, e o passivo social, já que esses acidentes refletem em todos os moradores às margens da ferrovia”, comentou.
Para o presidente do Senge-PR, Eroni Bertoglio, defeitos como dormentes deteriorados já são algo rotineiro. Ele questionou as privatizações, alegando que o patrimônio público brasileiro foi entregue a preço de banana: “A ALL pode até ir embora agora, pois já lucrou o suficiente”, afirmou, destacando que o sindicato já fez denúncias contra o estrago do patrimônio público (vagões cortados) e com relação ao risco ambiental. “Torcemos para que próxima bomba não seja uma litorina descarrilando”, arrematou.
Maquinistas
O presidente do Sindicato dos Maquinistas Ferroviários (Sindimafer), José Carlos Rodrigues, reclamou que a empresa demitiu 2,7 mil funcionários só no primeiro dia de concessão. Na época, esse número ultrapassava 4 mil demitidos. Trabalhando com menos funcionários, a ALL colabora para que aconteçam mais acidentes, pensa o sindicalista: “Eles adotaram a monocondução do trem, quando sempre foi conduzido por dois maquinistas. Além disso, a vistoria prévia na malha, que sempre existiu na época da RFFSA, não existe mais atualmente”, informou. Ele relatou ainda que empresas terceirizadas também estão prestando serviços de maquinistas, o que é proibido, e que a ALL coloca mais carga que a suportável nos vagões.
Irregular
O gerente regional de Curitiba do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Paraná (Crea-PR), Luiz Cezar Moro, afirmou que a ALL e algumas empresas terceirizadas que prestam serviços a ela não são filiadas ao Crea-PR, o que as deixa em situação irregular: “No Crea-PR há dez processos envolvendo a ALL, que sempre se nega a passar informações sobre a responsabilidade técnica”.
Ponte São João é obra-prima de engenharia
A ponte sobre o Rio São João é um dos cartões postais mais conhecidos da Serra do Mar. Ela é considerada uma das obras de engenharia mais arrojadas do século XIX. Com aproximadamente 110 metros de comprimento, é o maior vão vencido da ferrovia, ligando um lado ao outro da escarpa. A ponte é composta de quatro vãos, sendo o maior deles com 70 metros de comprimento e 55 metros de altura, projetando-se sobre o verde da Serra do Mar.
Para a construção da ponte, o engenheiro italiano Antonio Vialli, que fazia parte da primeira equipe convocada para levar a ferrovia do litoral paranaense ao primeiro planalto em Curitiba, mandou vir 400 toneladas de aço da Bélgica. Ela é uma das 30 pontes que compõem a longa estrada de ferro, que tem no total 110 km, e que possui ainda 13 túneis e vários viadutos. A pedra fundamental da ferrovia foi lançada pelo imperador D. Pedro II em 5 de junho de 1880. Seu término aconteceu em tempo recorde, sendo inaugurada em fevereiro de 1885.
A ponte sobre o Rio São João fica no Km 62, tendo sido construída entre os anos de 1882 e 1884.
(OBS: Este foi considerado o maior acidente ferroviário que já teve no estado do Paraná).
Foto ilustrativa do acidente.

DESCRIÇÃO

Hora: 0:05 AM (00:05)

Local: Ponte do Rio São João, Serra do Mar, Paraná

País: Brasil
Tipo de Acidente: Descarrilamento

Causa: Falta de manutenção na via

ESTATÍSTICAS

Trens: 1

Mortos: 0

Feridos: 0

Data: 19 de Julho de 2004 (19/07/04)

VEJA TAMBÉM:
Ponte São João no ano de 2005, 1 ano após o acidente.

Ponte São João no ano de 2021, 17 anos após o acidente.


Moradores garimpando milho dos vagões que caiu nas águas do Rio São João no acidente.

Inauguração da Ponte São João em 2005.

Trem da ALL passando na Ponte São João.

Comentários